No campus do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas, o Sirius representa um salto quântico para a pesquisa no Brasil. Trata-se de uma infraestrutura de altíssimo nível, que gera luz síncrotron para revelar os segredos atômicos da matéria, formar cientistas, acelerar a indústria e transformar descobertas em benefícios reais para a sociedade. No entanto, por trás desse “microscópio gigante”, há desafios relativos a financiamento, expansão, manutenção e a ambição de manter o Brasil entre os líderes globais nesta área.
Considerado uma das joias mais sofisticadas da ciência brasileira: o Sirius, fonte de luz síncrotron de quarta geração, é desconhecido para a maior parte da população brasileira. Mas, afinal, o que isso realmente significa para o Brasil e para o mundo?
Segundo o diretor-geral do CNPEM, Antônio José Roque da Silva, o Sirius coloca o Brasil entre os líderes mundiais em ciência baseada em luz síncrotron. ‘Atualmente, temos uma das fontes de luz mais avançadas do mundo, o que demonstra o patamar tecnológico e científico alcançado pelo Brasil. Trata-se do maior e mais complexo projeto da ciência brasileira, projetado e construído com cerca de 85% de nacionalização, graças à transferência de tecnologia para empresas nacionais e à capacitação de profissionais altamente especializados.’
Aula de curiosidade
Para o público leigo, pode parecer ficção científica, contudo, o funcionamento do Sirius é, na verdade, uma aula sobre a curiosidade humana. No anel principal do acelerador, elétrons são impulsionados a velocidades próximas à da luz e guiados por potentes ímãs. À medida que mudam de direção, eles emitem uma radiação altamente brilhante — a chamada ‘luz síncrotron’. Essa luz é canalizada para diferentes estações de pesquisa, conhecidas como linhas de luz, onde cientistas de todo o país analisam as amostras de materiais, tecidos biológicos, rochas, fármacos e até obras de arte.
“O Sirius é uma infraestrutura versátil, que atende a uma ampla gama de pesquisas — da biologia molecular à física de materiais, da geologia à nanotecnologia. Ele amplia a capacidade de pesquisadores brasileiros contribuírem com descobertas científicas de fronteira, em pé de igualdade com centros de excelência internacionais”, resume o diretor-geral.
Ao ser questionado pelo Correio da Manhã sobre as perspectivas de futuro para o projeto, Silva explicou que o Sirius foi concebido para operar com até 38 linhas de luz, que são as estações experimentais utilizadas pelos pesquisadores, sendo que a primeira entrou em operação em 2020 e outras vêm sendo abertas progressivamente. Das 14 previstas na primeira fase do projeto, dez já estão operacionais e outras quatro em diferentes etapas do processo de montagem e comissionamento (testes).
‘A eficiência científica do Sirius cresce à medida que novas linhas são instaladas, pois cada uma delas oferece técnicas complementares que expandem as possibilidades de experimentação. Atualmente, estamos trabalhando no projeto e construção da fase do projeto que contempla dez novas estações de pesquisa, bem como aprimoramentos técnicos e estruturais dos aceleradores’, acrescenta o diretor-geral.
Segundo Silva, o Governo Federal anunciou um investimento de R$ 800 milhões, via Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), para esta nova etapa. ‘Trata-se de um passo essencial para consolidar o Sirius como uma das infraestruturas científicas mais avançadas do planeta, ampliando o acesso da comunidade científica brasileira e fortalecendo o papel estratégico do CNPEM na promoção da ciência e da inovação no país.’
Soberania tecnológica
Entretanto, o Sirius não serve apenas à ciência. Ele também é um instrumento de soberania tecnológica, permitindo que o Brasil deixe de depender de laboratórios estrangeiros para a realização de experimentos de alto nível. Antes dele, os pesquisadores precisavam enviar amostras a países como França, Estados Unidos ou Japão, enfrentando filas e custos elevados. Hoje, o país atrai cientistas de fora, uma inversão de papéis que reforça o prestígio do CNPEM e do sistema de pesquisa nacional.
Por trás de toda essa potência, porém, existem desafios significativos. O funcionamento do Sirius exige altos investimentos em energia, manutenção e mão de obra altamente especializada. “Formar e manter pesquisadores de excelência é essencial para que o país aproveite plenamente o potencial do Sirius e de outras grandes infraestruturas científicas. A ciência não floresce apenas com equipamentos. Ela depende, sobretudo, de pessoas preparadas e de um ambiente que favoreça a criação, colaboração e continuidade”, reforça o diretor-geral do CNPEM.
A operação contínua também exige recursos públicos estáveis — algo que nem sempre é possível — e de políticas que garantam a formação e retenção de profissionais qualificados. Há ainda o desafio de transformar as descobertas em inovação industrial, aproximando universidades, empresas e governo. Silva ressalta que, no caso do Sirius, o apoio contínuo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação tem sido decisivo para o desenvolvimento e manutenção da tecnologia.
Outra questão relevante é a fila de pesquisadores que aguardam a oportunidade de usar as linhas de luz. Atualmente, apenas uma parte das estações está em funcionamento. O CNPEM vem trabalhando para expandir a capacidade do laboratório mediante novas linhas financiadas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Quando estiver totalmente concluído, o Sirius poderá atender, simultaneamente, dezenas de projetos, ampliando seu impacto na ciência global.
Apostas ambiciosas
Entre as apostas mais ambiciosas, a integração com o Laboratório Orion, um complexo laboratorial para pesquisas avançadas em patógenos (vírus, bactérias, fungos) em construção, localizado no campus do CNPEM, que possibilitará o estudo de patógenos perigosos com total segurança. Essa conexão entre a física e a biologia promete avanços inéditos na compreensão das doenças e no desenvolvimento de vacinas, consolidando o Brasil como referência em biotecnologia e pesquisa médica.
Para além da pesquisa, o Sirius tem um papel formador essencial, já que o CNPEM abriga programas de estágio e iniciação científica que atraem jovens de todo o país, criando uma nova geração de pesquisadores preparados para lidar com tecnologias de fronteira. O intercâmbio com instituições internacionais também é constante, o que ajuda o Brasil a se manter conectado ao que há de mais moderno no mundo.
Ainda que diante das incertezas orçamentárias e dos desafios operacionais, o Sirius simboliza um projeto de país que acredita no poder do conhecimento. Seu brilho não vem apenas da luz intensa que ele emite, vem também da capacidade de inspirar novas ideias, formar talentos e transformar descobertas em progresso. Se bem cuidado e conduzido, o síncrotron brasileiro continuará iluminando o interior da matéria e o caminho da ciência e da inovação nacional.