Campinas (SP) tem até o dia 31 para entregar o edital da licitação do transporte público da cidade. O prazo foi estipulado pelo Executivo municipal em julho. “A prefeitura segue na etapa final de revisão dos anexos técnicos e contratuais. A publicação do edital ocorrerá em breve”, informou a administração, questionada pelo Correio da Manhã sobre a data limite, que expira em uma semana.
Após a publicação do edital, empresas e consórcios terão 45 dias úteis para apresentar propostas. Em seguida, ocorrerá a abertura dos envelopes. A concessão é dividida em dois lotes (Lote Norte e Lote Sul), abrangendo regiões do município. O prazo é de 15 anos, podendo ser prorrogado. O valor estimado é de R$ 8 a R$ 11 bilhões para o período total de atividade.
O edital deve considerar os custos da concessão: reajustes de diesel, frota, manutenção e mão de obra; além da demanda de passageiros e sugestões da sociedade civil. O novo texto prevê renovação dos ônibus, com ar-condicionado, Wi-Fi, tomadas USB, câmeras de monitoramento (CFTV) e GPS, e a inclusão de veículos com fontes de energia limpa.
Recuo
No entanto, a prefeitura recuou na exigência de veículos eletrificados, citando a necessidade de ampliar a concorrência e garantir a viabilidade econômica do sistema. Não obrigará mais as empresas a utilizá-los, abrindo espaço para “diversas fontes de energia limpa”, como gás natural, biometano, hidrogênio e outros combustíveis verdes.
A minuta original previa 250 ônibus elétricos no sistema, número que havia sido reduzido para 60 veículos e, agora, eliminado como obrigatório. A alteração ocorre em um contexto nacional de avanço, ainda que gradual, na eletrificação das frotas de transporte público.
Dados da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) mostram que, entre 2022 e 2025, o Brasil emplacou 642 ônibus em 21 cidades. São Paulo lidera o ranking de forma isolada, concentrando mais de 80% do total nacional, com 518 veículos.
O recuo se destaca porque a cidade abriga a maior fábrica de ônibus elétricos do país, a BYD, que é líder de mercado no Brasil com 56% de participação, conforme a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave). No primeiro quadrimestre de 2025, o setor de elétricos registrou a entrada de 248 ônibus no país, representando 82% do total emplacado em todo o ano de 2024.
Imbróglio
O edital foi elaborado e revisado entre 2021 e 2023 com suporte da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas). O Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP) e o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) acompanharam o processo. O documento foi publicado em dezembro de 2022 e reaberto em 2023 para correções, incluindo a redução da garantia contratual de 10% para 5% do valor do investimento, determinada pela Corte.
A sessão pública de 20 de setembro de 2023 não recebeu propostas de empresas ou consórcios interessados, caracterizando-se como uma “licitação deserta”. Foi necessário prorrogar o contrato com as atuais concessionárias para não interromper o serviço, e a prefeitura precisou reiniciar todo o processo licitatório.
Submissão
Para o vereador Gustavo Petta (PCdoB), a licitação deserta foi resultado de uma “chantagem feita pelas empresas de ônibus”, o que o parlamentar classifica como “muito grave”. Já as alterações subsequentes demonstram uma “postura muito submissa da administração junto às empresas”.
O processo licitatório, marcado por “sucessivos atrasos, adiamentos e cancelamentos”, revela um “desastre” na administração pública, segundo Petta.
“Temos hoje um transporte caro, uma das tarifas mais caras do país, mas a frota é velha, com números recordes de ônibus quebrados todos os dias e sem ar condicionado em boa parte dos veículos”, declara.
O parlamentar expressa o desejo de que a licitação ocorra o quanto antes e cobra do Palácio dos Jequitibás uma “postura corajosa de defender os usuários do transporte público e não os empresários”.

Questão sistêmica
O imbróglio revela um problema de prioridade política, segundo o mestre em Planejamento Urbano, Ayrton Camargo e Silva, ex-diretor da Emdec (empresa municipal responsável pelo trânsito de campinense).
O especialista questiona o projeto de mobilidade urbana da cidade e defende que não é suficiente “trocar a frota”. Para ele, é preciso definir a forma como o sistema de ônibus será competitivo com outros modais e como absorverá inovações.
A inclusão de “tecnologias limpas (ônibus elétricos, combustíveis alternativos) e a interatividade com o usuário (bilhetagem, informação em tempo real)” é crucial.
Contudo, afirma que o maior gargalo está na infraestrutura, pois sistemas troncais precisam de canaletas exclusivas. “Não basta comprar um ônibus sofisticado se ele não tem um sistema viário adequado para rodar”, sustenta.
Atratividade
Em relação ao aspecto financeiro, lembra que o custo total do sistema se divide entre o usuário (tarifa) e a prefeitura (subsídio), e que o desafio da licitação é criar uma modelagem “atrativa para o mercado”, que garanta o interesse do setor privado em investir, sem que o Poder Público “fique refém dos empresários de ônibus”.
“O que falta, talvez, é um pouco mais de ousadia da administração municipal em fazer do transporte público por ônibus uma política estrutural da cidade. Porque, se assim fosse, os investimentos das vias exclusivas, da sinalização, da semaforização, seriam priorizados no orçamento municipal”, declara.
Essa falta de prioridade, segundo Silva, reflete-se na ausência de investimentos no orçamento para melhorias cruciais, como a criação de vias exclusivas e a modernização da sinalização.
“Quem é que vai fazer esse sistema viário? Isso está dentro da licitação? Não está. Vai ser feita uma PPP (Parceria Público-Privada)?”, questiona.
“Não basta botar o ônibus na rua se não há um sistema de regulação, se não há um CCO (Centro de Controle Operacional) para saber onde cada veículo está, se não existe um semáforo como instrumento de gestão, se a bilhetagem não dá atratividade para o usuário se deslocar entre todos os sistemas de transporte, por meio da integração.”, elenca.
Remédio
A solução proposta pelo ex-diretor é o Poder Público assumir mais investimentos na infraestrutura para otimizar o desempenho do sistema.
“Se houvesse mais ousadia da administração municipal, investindo em melhoria, certamente a lucratividade seria maior. Porque sem esses investimentos, o sistema pode não ser tão eficiente, e, ao não ser eficiente, ele não é atraente do ponto de vista do negócio. Consequentemente, os empresários acabam não tendo interesse nesse tipo de modelagem. Não basta a gente arrotar rankings de inovação se o transporte coletivo de qualidade não faz parte dele”, apregoa.
