A Polícia Federal deflagrou, na sexta-feira (12), a Operação Transparência, para apurar irregularidades na destinação de recursos públicos por meio de emendas parlamentares. A surpresa veio quando foi revelado que uma ex-assessora do ex-presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, é alvo direto da investigação autorizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A investigação foi determinada pelo ministro Flávio Dino, no âmbito de um inquérito que apura indícios de execução irregular de emendas ao orçamento da União, mesmo após o STF ter declarado o fim do chamado orçamento secreto. Segundo a decisão, há elementos que apontam para a atuação de uma estrutura administrativa centralizada, responsável por reorganizar e direcionar recursos públicos à margem das regras de transparência estabelecidas pela Corte.
Salinha do orçamento
A operação agitou os corredores da Câmara dos Deputados. Um dos acessos do Anexo II chegou a ser bloqueado para o cumprimento dos mandados de busca e apreensão, concentrados na chamada “salinha do orçamento” — espaço administrativo usado para a coordenação técnica da liberação de emendas parlamentares.
Segundo a investigação, o local funcionava como um centro de controle de planilhas, listas e encaminhamentos relacionados à destinação de recursos, especialmente no período em que o orçamento secreto esteve em vigor. Foi nesse ambiente que atuava Mariângela Fialek, conhecida como Tuca, apontada pela Polícia Federal como figura central na operacionalização dessas emendas. Além da Câmara, a casa da ex-assessora também foi alvo de buscas.
Ligação com Lira
Arthur Lira foi procurado, mas informou, por meio de sua assessoria, que não iria se manifestar sob o argumento de que não é alvo da operação. Apesar disso, a relação entre o ex-presidente da Câmara e a investigada é direta e documentada.
Mariângela Fialek trabalhou no gabinete de Lira entre março de 2021 a 2025. Após esse período, passou a atuar na liderança do Progressistas (PP), partido comandado por Lira, permanecendo em posição estratégica mesmo após a troca no comando da Casa. Atualmente, ela ocupa um cargo de natureza especial, com remuneração bruta de R$ 23,7 mil, vinculada à estrutura partidária.
Na decisão, o ministro Flávio Dino destaca que há indícios de que a servidora continuou exercendo papel relevante no controle da destinação de emendas parlamentares, inclusive após o encerramento formal do orçamento secreto, o que motivou a autorização para buscas, apreensões e quebra de sigilos.
Defesa nega
Em nota, a defesa de Mariângela Fialek afirma que sua atuação sempre foi técnica, apartidária e impessoal, nos exatos termos da Lei Complementar 210/2024— que regulamenta a execução das emendas parlamentares após o fim do orçamento secreto por decisão do STF. Na nota, a defesa sustenta que todo o material de trabalho da assessora é público e que as informações sobre indicações de emendas são encaminhadas à Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República e publicadas no Portal da Transparência.
A defesa também afirma que não há imputação de irregularidade funcional ou criminal contra Mariângela e que o objetivo da medida foi apenas acessar informações relacionadas às indicações feitas por parlamentares, dados que, segundo a nota, já são públicos.
Risco institucional
Para o professor de Direito Penal do Ibmec Brasília, Tédney Moreira, se confirmada a prática investigada, o caso revela uma distorção grave no funcionamento do orçamento público. “Se confirmada a prática de destinação de emendas parlamentares ao arbítrio das regras de transparência, estaremos diante de uma manipulação do orçamento público feita para fins de interesses políticos privados, constituindo-se em prática ilícita a ser punida”, afirma.
Segundo ele, embora ainda seja prematuro atribuir responsabilidade institucional à Câmara como um todo, a investigação amplia a tensão entre os Poderes. “Uma investigação desse nível acrescenta elementos a mais nessa animosidade entre os Poderes constituídos, tendo em vista que conduz às especulações em toda a sociedade sobre a não probidade dos parlamentares com o uso do dinheiro público”, avalia.
Já o professor Luís Mileo, do Ibmec-SP, chama atenção para o alcance das medidas autorizadas pelo STF. “A determinação do ministro Flávio Dino para o cumprimento de mandados no interior da Câmara se deu porque havia indícios fortes da existência de planilhas que demonstravam o direcionamento de emendas em desacordo com as decisões do Supremo Tribunal Federal”, afirma.
Para Mileo, se ficar comprovado que o orçamento secreto apenas mudou de forma, o impacto pode ser imediato. “O ministro Flávio Dino não terá outra alternativa senão suspender todo o repasse do Executivo ao Legislativo destinado a essas emendas”, diz. Segundo ele, somente o avanço da investigação indicará se o caso é isolado ou se revela uma organização estruturada para burlar decisões do STF.