Um dos principais desafios da indústria alimentícia é encontrar alternativas viáveis e ambientalmente sustentáveis para reduzir o uso massivo de plásticos. Alimentos perecíveis, como frutas, hortaliças e outros itens são acondicionados principalmente em embalagens plásticas à base de polímeros sintéticos, como polietileno, polipropileno, entre outros – materiais que levam centenas de anos para se decompor no meio ambiente, o que acelera o acúmulo de resíduos físicos e gera poluição por micro e nanoplásticos.
Esse problema motivou duas pesquisadoras da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp a desenvolver um novo tipo de filme biodegradável capaz de substituir o plástico na indústria alimentícia, especialmente em embalagens de alimentos perecíveis. A base do novo material é a amilopectina, um tipo de amido presente em polímeros biodegradáveis, encontrado em alimentos vegetais como milho, batata, arroz e trigo.
A equipe testou uma série de formulações até chegar à composição ideal, que apresenta resistência mecânica satisfatória e aparência uniforme. “Produzimos mais de dois mil filmes poliméricos até chegarmos a um material estável, com resistência suficiente para embalar e proteger os alimentos”, explica Giovana Padilha, professora da FCA, que participou da pesquisa ao lado de Deborah Montagnoli – na época, sua orientanda de mestrado.
Resistência mecânica e componentes naturais
Padilha observa que, após escolher a amilopectina como o tipo de amido mais conveniente para o filme polimérico, um dos principais desafios foi formular os componentes que iriam conferir resistência ao filme, algo que o amido não é capaz de oferecer isoladamente. Para isso, foi selecionada a pectina, uma fibra natural presente em frutas como a laranja, cuja oferta é abundante devido aos resíduos da indústria cítrica.
“A pectina é essencial para formar o gel do filme, conferindo-lhe maior resistência; o ácido glutâmico, por sua vez,além de melhorar a resistência mecânica, pode conferir propriedades antioxidantes importantes para aumento da vida útil do alimento. A definição das condições ideais para o uso dessas matérias-primas representa o grande avanço desta tecnologia. Graças a essa formulação, chegamos a um filme biodegradável e com resistência suficiente para embalar produtos alimentícios”, acrescenta a docente.
O produto desenvolvido é completamente biodegradável. Nos testes conduzidos pelas pesquisadoras, o filme se decompôs em 45 dias, dependendo das condições de temperatura e umidade relativa. Por esse motivo, é mais apropriado para embalar alimentos perecíveis, que têm durabilidade curta.
“Comparado aos plásticos convencionais, que podem levar séculos para se degradar, o novo filme pode representar um avanço enorme na redução de resíduos poluentes descartados no meio ambiente”, afirma a professora, observando ainda que, além da rápida degradação, os materiais utilizados são todos de origem orgânica e comestíveis:
“Estamos falando de amido, pectina e ácido glutâmico. Tudo isso já está presente em muitos dos alimentos que consumimos. Essa característica elimina riscos de contaminação química e torna o produto adequado para aplicação direta sobre os alimentos”, observa Padilha.
Aplicações e usos em potencial
Outro ponto positivo do filme biodegradável que contribui para essa aplicação, segundo Padilha, é sua permeabilidade controlada à água e a gases, o que favorece a conservação de alimentos frescos. “O ácido glutâmico melhora a barreira contra a umidade e prolonga a vida útil do produto embalado. Por isso, esta tecnologia é de grande utilidade na exportação desses alimentos, pois eles passam muito tempo confinados nos meios de transporte”, detalha a pesquisadora.
Para uma etapa futura do desenvolvimento, a equipe tem planos de ampliar o uso da tecnologia. “Queremos investigar como a composição se comporta quando estirada, para fabricar embalagens maiores”, finaliza a professora.
Licenciamento comercial
A patente desta tecnologia foi depositada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) pela Agência de Inovação Inova Unicamp, contando também com proteção internacional por meio do Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (PCT, na sigla em inglês). Por isso, está disponível para licenciamento comercial tanto no Brasil quanto no exterior. Mais informações sobre esta tecnologia podem ser encontradas aqui.
A nova tecnologia está diretamente alinhada ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 12 da Organização das Nações Unidas (ONU), que trata do consumo e produção responsáveis. Ao oferecer uma alternativa biodegradável aos plásticos convencionais usados em embalagens de alimentos, o invento contribui para reduzir a geração de resíduos sólidos, um dos principais compromissos do ODS 12. A iniciativa valoriza o uso de matérias-primas renováveis, promove a economia circular e incentiva a substituição de materiais derivados de combustíveis fósseis, contribuindo para a criação de sistemas produtivos mais ambientalmente sustentáveis.