O Ministério Público de São Paulo instaurou um inquérito civil para investigar a instalação de iluminação artificial no Parque Ecológico Hermógenes de Freitas Leitão, em Barão Geraldo, Campinas. A medida foi tomada após representação que aponta possíveis impactos ambientais causados pela obra, realizada pela Prefeitura sem respaldo técnico ou parecer ambiental.
De acordo com a representação, o parque abriga mais de 130 espécies de aves, além de mamíferos e répteis, e a presença de luz artificial durante toda a noite pode comprometer o ciclo natural desses animais, afetando hábitos de reprodução, alimentação e descanso.
O vereador Wagner Romão (PT), que acompanhou e abraçou a causa, destacou a importância da decisão do Ministério Público. “Na semana passada conseguimos, junto ao MP, a abertura de um inquérito civil que vai apurar o que a Prefeitura vem fazendo e de que forma pretende mitigar os danos que certamente serão causados às espécies vegetais e, sobretudo, às aves que vivem e se reproduzem no parque”, afirmou.
Segundo Romão, o inquérito, instaurado no dia 29 de outubro, questiona aspectos técnicos do projeto, como a altura dos postes, a existência de áreas de refúgio sem iluminação e o horário de funcionamento das luzes. “A comunidade sugere que, após o fechamento do parque, às 20h, a iluminação seja desligada. São medidas simples que podem reduzir o impacto sobre a fauna local”, explicou. O vereador acrescentou que a Prefeitura tem dez dias para responder às solicitações do MP.
Com 135 mil m² de área, o Parque Hermógenes de Freitas foi incluído no programa municipal de modernização da iluminação pública. O projeto, que prevê a abertura do espaço até as 20h, recebeu investimento de R$ 393 mil.
“Iluminar um parque à noite pode causar graves prejuízos à fauna, especialmente se ele abriga espécies silvestres que dependem do ciclo natural de luz e escuridão”, completa.
A iniciativa também é alvo de críticas de pesquisadores e frequentadores. Para a pesquisadora Giulia d’Angelo, doutora em biologia animal, a luz noturna pode causar diversos desequilíbrios ambientais e influenciar diretamente na vida dos animais. “No parque tem colhereiros, garças, tatus, gambás, cachorros-do-mato e saguis que dependem da variação natural entre claro e escuro. Isso interfere diretamente no comportamento desses animais”, afirmou.
A pesquisadora lembra que em 2013 a Prefeitura já tinha esse projeto de iluminar o parque. “Nós conseguimos embargar a obra com essa Lei Orgânica Municipal que diz que não pode haver perturbações em locais onde animais silvestres se reproduzem, ou onde aves silvestres migratórias fazem morada temporária”, explica.
De acordo com ela, a iluminação altera o ritmo biológico das espécies, prejudica sua camuflagem e interfere na reprodução e na migração. “A maioria dos animais depende da variação da luz (incluindo os humanos), pois nosso organismo depende da luz para a produção de hormônios. Por exemplo, quando o sol está se pondo, nosso corpo já começa a produzir melatonina para sabermos que à noite dormimos. Se você estende o período de iluminação, o organismo entra em desequilíbrio, atrapalha o sono e tem estudos que mostram que desequilibra até o sistema imunológico de animais que são expostos ao excesso de luz”, explica.
“O plano da Prefeitura era iluminar o parque até às 21h, o que pode trazer prejuízo para os animais, principalmente agora que estão em época reprodutiva (primavera e verão). Mas enquanto o processo estava em desenvolvimento no MP, a Prefeitura terminou de instalar a iluminação, ligou e está iluminado até às 6h da manhã, a noite toda! os prejuízos são muito maiores!”, disse a pesquisadora.
D’Angelo também chamou atenção para falhas na execução da obra, que ainda não foi concluída. “Alguns postes estão sem a base concretada, soltos, o que representa risco para quem caminha ali”, disse.
Para as pesquisadoras, segurança e preservação não são objetivos incompatíveis. “É possível garantir proteção ao visitante sem comprometer a fauna. Precisamos valorizar o que já existe e investir na criação de mais áreas ecológicas, em vez de urbanizar os poucos espaços naturais que restam”, concluiu D’Angelo.
Os principais impactos são:
. Desorientação e alteração de comportamentos naturais. Muitos animais, especialmente aves, morcegos, anfíbios, pequenos mamíferos e insetos, se orientam pela luz natural (lua, estrelas); aves noturnas e migratórias podem se desorientar e colidir com postes ou estruturas iluminadas; insetos são atraídos pela luz artificial, concentrando-se ao redor das lâmpadas, o que os torna presas fáceis e desequilibra cadeias alimentares; morcegos e corujas (predadores noturnos) perdem a eficiência na caça, pois suas presas se afastam das áreas iluminadas.
. Interferência nos ciclos biológicos (ritmos circadianos). A luz artificial noturna altera o ritmo circadiano, que regula sono, alimentação e reprodução; animais noturnos podem reduzir suas atividades, perdendo tempo de forrageio e alimentação; animais diurnos, ao perceberem luz artificial, podem ter o ciclo de sono interrompido; as alterações no ritmo circadiano causam estresse fisiológico e enfraquecem o sistema imunológico.
. Redução da reprodução e do sucesso reprodutivo. Anfíbios, como sapos e rãs, são extremamente sensíveis à luz. A iluminação noturna pode interromper cantos de acasalamento, reduzindo o número de parceiros e afetando a reprodução; tartarugas e aves também podem ter interferência na incubação ou cuidado com filhotes, em função de mudanças hormonais causadas pela luz.
. Desequilíbrio ecológico. Quando uma espécie é afetada (por exemplo, insetos), há efeito cascata: menos insetos, menos alimento para aves e morcegos; espécies diurnas podem invadir o espaço das noturnas, gerando competição desigual; toda a comunidade de fauna se empobrece e se desequilibra.
. Impactos indiretos. A luz pode favorecer predadores oportunistas (como gatos domésticos e aves diurnas) que passam a caçar à noite; espécies sensíveis fogem da área, reduzindo a biodiversidade do parque; a fauna tende a se concentrar em poucos refúgios escuros, aumentando o estresse e os conflitos intraespécies.
O que diz a Prefeitura
A Secretaria de Serviços Públicos informou, em nota, que “a iluminação do parque é de tom amarelo, com 3 mil km de luminotécnica e foco de luz voltado para o chão, seguindo normas técnicas da ABNT, para não interferir na vida silvestre. A instalação da nova iluminação foi concluída no final de outubro e estão sendo instalados os timers nos postes de luz, para que as luminárias desliguem automaticamente após o fechamento do parque. A previsão é de que comecem a funcionar em 15 dias. Além disso, técnicos da Secretaria de Serviços Públicos estão em diálogo com biólogos da Unicamp, que deram origem ao processo do Ministério Público, e planejando, em conjunto, ações adicionais de proteção à fauna e à flora local. A pasta está em diálogo e tem respondido aos questionamentos do MP”.



