Especialistas estão alertando sobre o uso da retatrutida, a chamada “superinjeção” antiobesidade, que está sendo vendida e anunciada na internet com promessas de resultados superiores ao Ozempic e Mounjaro. Apesar de ainda estar em fase experimental e de não ter aprovação da Anvisa, no Brasil, nem tampouco do FDA, nos Estados Unidos, a substância já é vendida ilegalmente em sites estrangeiros e redes sociais.
Mas, médicos, como o campinense George Mantese, mestre em epidemiologia e doutorando pela USP, afirmam que é preciso ter cautela com riscos e expectativas irreais em torno da molécula mais potente. Destacam os riscos de se utilizar um medicamento sem regulamentação e cuja segurança e eficácia ainda não foram plenamente estabelecidas.
A retatrutida (retatrutide) vem chamando atenção por resultados ainda mais expressivos que os fármacos afins: perda de até 24% do peso corporal em apenas 48 semanas, segundo estudo clínico de fase II publicado no New England Journal of Medicine.
“Quando se vê uma molécula com resultados tão expressivos nos ensaios iniciais, o entusiasmo é natural”, declara. “Mas, isso torna ainda mais essencial que o caminho regulatório e de segurança seja rigoroso e transparente. Estamos falando de uma substância ainda em fase experimental”.
Funcionamento
Enquanto o Ozempic (semaglutida) age apenas sobre o GLP-1, e o Mounjaro (tirzepatida) combina GLP-1 + GIP, a nova molécula adiciona um terceiro componente — o glucagon — responsável por aumentar o gasto energético e potencializar a queima de gordura.
“Nos estudos publicados no New England Journal of Medicine, participantes que receberam retatrutida semanalmente perderam, em média, 17,5% do peso corporal, chegando a 24% nas doses mais altas. Em comparação, a semaglutida apresenta reduções médias de 15% e a tirzepatida, cerca de 20%”, aponta.
“A retatrutida atua por três mecanismos diferentes: reduz o apetite, melhora a resposta à insulina e aumenta o gasto calórico. É como apertar três botões metabólicos ao mesmo tempo”, elenca.
Além da perda de peso, observou-se melhora nos níveis de glicemia, pressão arterial, perfil lipídico e marcadores hepáticos.
Os pesquisadores, porém, ressaltam que os efeitos adversos — principalmente náuseas, vômitos e diarreia — foram semelhantes aos de outros análogos de GLP-1, embora em alguns casos mais intensos nas doses maiores.
Perigo
Apesar de ainda estar em fase experimental, a retatrutida já é anunciada na internet como o “novo Mounjaro” ou “Mounjaro 3.0”. Sites estrangeiros e perfis de redes sociais vendem supostas canetas de “retatrutida original”, muitas vezes com entrega no Brasil.
“Nenhuma dessas versões, porém, tem aprovação da Anvisa ou da FDA”, alerta Mantese. “A FDA já emitiu alertas genéricos contra a venda ilegal de medicamentos para emagrecimento e, seguindo o padrão adotado com outros agonistas de GLP-1, é esperado que alertas específicos sobre a retatrutida se intensifiquem em 2025.
O órgão destaca que produtos vendidos online “não têm garantia de segurança, qualidade ou dosagem correta”.
“Nós já identificamos anúncios ativos de ‘retatrutida’ em redes sociais e lojas online; quando investigados, muitos casos revelam falsificações ou promessas exageradas, sem respaldo científico real”, comenta o médico.
Ilegalidade
“O problema é que a internet tornou fácil conseguir substâncias experimentais, e muita gente acredita estar comprando ciência — quando, na verdade, está comprando risco. “Essas versões de mercado paralelo não têm controle algum: não se sabe o que tem dentro, se é estéril ou se contém o princípio ativo correto. É uma roleta russa química.”, alerta.
Mesmo sem aprovação, há relatos crescentes de uso da substância por atletas de alto rendimento e fisiculturistas no exterior. Em fóruns e podcasts especializados, alguns competidores mencionam o uso experimental da retatrutida como “a nova fronteira da recomposição corporal”. Esses relatos, no entanto, não têm respaldo científico — e, na maioria dos casos, envolvem substâncias adquiridas de forma ilegal.
“É preocupante ver atletas e influenciadores tratando o uso da retatrutida como algo trivial”, comenta Mantese. “Essas pessoas têm grande alcance e acabam normalizando uma prática que ainda está em zona cinzenta da ciência e completamente fora da medicina baseada em evidências.”